Ponho aqui um texto completo, tirado
daqui, e lido pela primeira vez
aqui. É um belo texto do Pe. Anselmo Borges, que falar um pouco do que eu queria dizer com
este texto, aqui há dias.
Embora seja grande, faz bem ler e reflectir. Antes de passar ao texto, resta-me apenas referir que tanto os parágrafos como o negrito são da minha autoria:
"Não há palavras, diante de pais em choro pela perda de um filho: "Tanto pedimos a Deus que nos salvasse o nosso filho, e ele não nos ouviu!..."
Uma vez, uma senhora ainda jovem, muito doce, a quem a mãe morrera seca com o sofrimento, atirou-me: "Sabe? Às vezes penso que Deus não pode ajudar a todos. São tantos a pedir... Coitadinho!..."
É verdade: Deus não pode ouvir as orações todas nem satisfazer todos os pedidos.
O teólogo Andrés Torres Queiruga disse-o de modo chocante, quase brutal, mas, para o crente reflexivo, verdadeiro.
Tomemos como exemplo esta oração: "Para que as crianças de África não morram de fome, oremos ao Senhor." "Objectivamente, uma petição deste tipo implica o seguinte:
1. que nós somos bons e tentamos convencer Deus a sê-lo também;
2. que Deus está passivo enquanto o não convencermos, se formos capazes;
3. que, se, no domingo seguinte, as crianças africanas continuarem a morrer de fome, a consequência lógica é que Deus não nos ouviu nem teve piedade;
4. que Deus, se quisesse, podia solucionar o problema da fome, mas, por um motivo qualquer, não quer fazê-lo." Conclui: "Sem pretendê-lo conscientemente, mas presente na objectividade do que dizemos, estamos a
projectar uma imagem monstruosa de Deus: não só ferimos a ternura infinita do seu amor sempre disposto a salvar como, além disso, acabamos por dizer implicitamente algo que não nos atreveríamos a dizer do mais canalha dos humanos."
Quando se reflecte,
percebe-se claramente que a chamada oração de petição exige ser repensada. Deus, porque é Força criadora infinita, não intervém de fora, e quem acredita que Deus é Amor não pode estar a implorar-lhe que tenha piedade. Fazê-lo é contradizer-se.
Compreende-se - isso sim - que o crente, na sua dor e frente ao horror do mundo, ore, fazendo perguntas e gritando com Deus. Job, sentindo-se inocente, queria levar Deus a um tribunal que julgasse com independência. Está na Bíblia! Jesus rezou na cruz: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?" E, como sabia o teólogo protestante Dietrich Bonhoeffer, executado pelo nazismo, o crente terá cada vez mais de aprender a "viver diante de Deus e com Deus sem Deus".
Não há Homem religioso que não reze. Mas, como diz o Evangelho, é preciso pedir o que a maior parte das vezes se não quer pedir: o Espírito Santo e a conversão.
Na verdade, não se trata de converter Deus à vontade humana e aos seus caprichos, ao seu orgulho e vaidade, à sua avareza e ganância, mas de o Homem se converter ao que Deus quer: simplicidade, capacidade de partilha, humildade, paciência e todas aquelas virtudes que já não estão muito em uso, mas tornam o Homem humano e trazem paz.
Quem não deseja ardentemente estar com o Amor? Rezar é marcar encontro com Deus, Anti-mal e Fundamento de todo o ser - Deus é Presença intimíssima e infinitamente activa em todo o real. Nesse encontro, o Homem faz então a experiência da religação à Fonte criadora e dinamizadora de tudo, reconcilia-se com a finitude e, depois de ter descido ao mais profundo, volta ao quotidiano da vida com esperança e serenidade, aquela serenidade de que fala Santa Teresa de Ávila: "Nada te perturbe. Nada te espante. Tudo passa. Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem tem Deus nada lhe falta. Só Deus basta."
No entanto, a serenidade não significa passividade nem resignação. Pelo contrário, quem foi ao encontro do Deus que, como diz o Evangelho, mora no oculto, "identifica-se" com ele e com o seu amor e entrega-se ao cuidado da sua obra, a começar por quem mais precisa: o pobre, o escarnecido, o humilhado, o doente, o chicoteado, o velho, o deficiente, qualquer um que sofre. Afinal, é mesmo possível, por exemplo,
nós acabarmos com a fome em África!
O Evangelho diz que Deus sabe do que os seres humanos precisam, antes de lho pedirem. Por isso, previne contra o longo palavreado vão de quem reza. Manda é o silêncio e a paz interior, para que ele possa entrar: "Tu, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai."
Hugo
"Bento XVI prometeu hoje ao casal Mccann rezar para que Madeleine, a menina desaparecida há quase um mês em Lagos, regresse para junto dos pais sã e salva."
Ponho-me às vezes a pensar como funcionam lá em cima as coisas com ele (perdão, com Ele). Qual será o critério de reza para que o senhor (qual senhor? o Senhor!) oiça as nossas preces? Se rezarmos muito, muito, muito, então podemos recuperar a miúda das garras de um mais que provável rapto, ou atraímos mais sorte e justiça às nossas vidas? E se não acreditarmos em Deus? Será que nesse caso ele (perdão, Ele) não intervém? Não o merecemos? Hmmm...
Refiro só que não sou um descrente em Deus. Simplesmente acho estranha esta ideia do "rezar", como se só fôssemos merecedores da sua (aliás, Sua) intervenção se Lhe pedirmos com muito jeitinho. Cá-me cá parecer que a atitude de Deus será mais deixar-nos estar...
Acompanhem o meu raciocínio: se eu crio um planeta, e se represento por inteiro o Bem Supremo, não faz muito sentido andar depois a exigir que me adorem, que me rezem com muita força, que me idolatrem (isso seria um pouco egoísta, ou não?).
Conclusão: Deus até pode existir (e acredito que sim) mas perfeito, perfeito, era a igreja não vir com submissões que para mim não passam de tretas.
Hugo
(post escrito após leitura
desta notícia, e após muitos anos de reflexões)